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Quando a cabeça trava, o corpo grita

por Ricardo Berger

E o dia em que eu percebi que precisava parar de lutar contra mim mesmo...

Nos últimos meses eu estava me sentindo completamente travado.
Não era preguiça, nem falta de vontade.
Era como se eu tivesse uma Ferrari na garagem e não conseguisse ligar o motor.
Sabe quando você olha pra um monte de tarefas, projetos, ideias e simplesmente não sente força pra começar?
Pois é. Eu tava exatamente assim.

Eu acordava cansado, dormia cansado e passava o dia tentando entender o motivo de estar cansado.
Nada parecia fazer sentido.
E o pior: quanto mais eu tentava entender, mais cansado eu ficava.

Até que um dia, de tanto girar em círculos, eu entendi o que tava rolando — e esse entendimento, pra mim, somente chegou após anos de terapia.


🧠 O cérebro que pensa demais (e sente de menos)

Eu sempre fui aquele cara que pensa demais.
Analiso tudo, calculo tudo, prevejo tudo.
Só que pensar demais tem um preço: uma hora o cérebro entra em curto.

A verdade é que eu não estava travado por falta de ideias, e sim por excesso de pensamento.
Eu criava teorias, planos, estratégias perfeitas… e nada saía do papel.

Foi aí que eu percebi algo brutalmente simples:

“Você se sabota porque o seu cérebro é inteligente demais pra enganar os outros, mas esperto demais pra te enganar também.”

Essa frase me atingiu em cheio.
E eu percebi que, quando o medo aparecia, eu dava um nome bonito pra ele: razão.
Eu dizia “não é medo, é prudência”, “não é insegurança, é estratégia”, “não é cansaço, é planejamento”.
E assim, de forma inteligente, eu me paralisava.

A mente criava um argumento tão bem construído, que parecia lógico demais pra ser emocional.
Mas era medo.
Medo disfarçado de bom senso.
E esse tipo de medo é o mais perigoso, porque ele vem com terno, gravata e discurso racional.


🏠 O ambiente que sufoca

Hoje mesmo, enquanto escrevo isso, meu filho tá brincando em volume alto (tadinho, não o culpo), minha mãe está puxando assuntos, e os cachorros decidiram fazer um coral de latidos sempre quando ouvem algum barulho na rua.
E eu aqui, tentando raciocinar.

A verdade é que o ambiente molda a mente.
Tem gente que consegue trabalhar em meio ao caos.
Eu não.
Cada som, cada interrupção, cada “rapidinho aqui” me tira do eixo.

E quando a cabeça já tá sobrecarregada, qualquer ruído vira explosão.
Aos poucos, comecei a sentir aversão ao computador, ao barulho das notificações, ao simples ato de sentar pra trabalhar.
O que antes me dava prazer virou gatilho.
E o que era amor pelo que eu fazia virou cansaço e repulsa.

Foi aí que entendi: o problema não era o trabalho.
Era onde eu estava tentando trabalhar.
Eu tava tentando ser criativo num campo de guerra sensorial.


🚗 A decisão que me libertou: ir pra rua

Um dia, no meio dessa confusão mental, eu parei e pensei:
“Eu preciso sair daqui. Preciso me mexer. Preciso ver o mundo.”

E foi assim que tomei uma decisão que muita gente talvez não entenda: começar a fazer entregas de carro.
Sim, entregas.

De repente, algo que parecia “longe da minha área” virou uma chance de respirar.
Eu queria dirigir, ouvir música, pensar, ver gente.
Eu queria me sentir útil sem precisar lutar com a cabeça.

E, de forma meio maluca, eu fiquei empolgado com a ideia.
Empolgado de verdade.
Pensei até em desenvolver sistemas que ajudassem motoristas e entregadores — algo que nascesse da prática, e não da teoria.
Eu seria meu próprio “laboratório ambulante”.


💥 O estalo da autossabotagem

Mas justo quando tudo parecia encaixado, algo curioso aconteceu.
Na semana em que eu ia começar de vez as entregas, a vontade de “voltar pra agência” explodiu do nada.
Um fogo criativo tomou conta de mim.
De repente, eu queria reabrir tudo, estudar, planejar, investir.

Soava inspirador, mas no fundo… era medo.
Medo de mudar.
Medo de me ver fora da minha identidade antiga.
Meu cérebro, esperto como sempre, inventou um plano lindo pra eu desistir daquilo que me assustava.
E me convenceu de que era um “chamado”.

A autossabotagem, dessa vez, veio disfarçada de epifania.


⚖️ Quando a mente mente pra proteger

O mais doido é que eu percebi o golpe.
Eu vi minha mente tentando me proteger — com um argumento genial.
E dessa vez, eu decidi não cair.

Fazer as entregas não era “fugir da minha profissão”.
Era me salvar da exaustão.
Era dar um tempo do digital pra poder voltar limpo, leve, com vontade real — não com culpa ou obrigação.

Então sim, eu vou fazer as entregas.
Não como desistência, mas como reset.
Como uma forma de reconectar corpo e mente.

E quer saber?
Tudo bem.
Nem toda pausa é fraqueza.
Às vezes é só o cérebro pedindo um pouco de silêncio.


🧭 O plano: reconstruir com calma

Meu plano agora é simples:
30 dias pra respirar, dirigir, observar, ganhar fôlego.
Sem cobrança.
Sem precisar provar nada pra ninguém.

Durante esse tempo, eu vou anotando ideias, vendo o que funciona, o que não funciona, e talvez — só talvez — comece a desenhar aquele sistema que imaginei pros entregadores.
Mas sem pressa.
Se vier, vem.
Se não vier, tudo bem também.

O importante é sair do ciclo do “pensar demais e agir de menos”.
O resto, o tempo ajusta.


❤️ O que eu aprendi com tudo isso

Aprendi que o maior inimigo de quem pensa demais é o próprio pensamento.
Que às vezes o raciocínio que parece mais lógico é só medo com roupa de bom senso.
E que quando o corpo grita, é porque a cabeça ficou tempo demais tentando ser forte.

Aprendi também que recomeçar não é voltar pro ponto zero — é começar de outro lugar, com outra cabeça.
E que fazer algo simples, como dirigir por aí e entregar pacotes, pode ser o primeiro passo pra recuperar o sentido de tudo.


🌤️ Uma nova fase

Hoje eu tô com mais calma.
Sem aquela euforia falsa.
Sem o peso de ter que “decidir o rumo da minha vida”.
Só quero andar, observar, aprender, e deixar as ideias certas voltarem no tempo delas.

Eu percebi que a vida não é uma linha reta — é uma espiral.
A gente volta pros mesmos lugares, mas com outra consciência.
E talvez agora, eu esteja voltando pro mesmo “eu”, mas mais leve, mais maduro, e finalmente em paz com o fato de que tudo bem precisar de um tempo pra respirar.


✍️ Conclusão

Se você também sente que tá travado, sem foco, sem ânimo, tentando se forçar a funcionar — respira.
Não é preguiça, não é burrice, não é falta de talento.
É só o seu cérebro gritando que tá cansado de lutar com o próprio ruído.

Dá um passo pra fora.
Faz algo simples.
Move o corpo.
E lembra:
Nem toda pausa é desistência.
Às vezes, é só o primeiro passo de um novo começo.

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